segunda-feira, 16 de julho de 2012

A TRISTE SINA DO BOM MECÂNICO



Como você se sente, caro leitor ou leitora, quando recebe a conta do mecânico? É agradável? Mas será que existe uma razão por trás daqueles valores assustadores? Será que por trás de um valor salgado não existe um profissional sério? Ou seria apenas um valor criado por alguém quee só quer esvaziar o seu bolso?


Hora do mecânico: a eterna desconfiança

Mecânicos ruins, mal formados ou que agem de má fé existem aos montes. Bons profissionais são raros.


Este é um artigo para tentar explicar por que ocorrem muitas situações conflitantes que cercam a relação cliente-mecânico. Ele talvez seja um grande desafio para muitos, porque vai exigir de cada leitor ou leitora um pouco de autocrítica e visão para perceber muitas situações sutis, vividas e presenciadas por cada um, e até assumir algumas culpas.
 
Começamos pela coisa mais óbvia: toda oficina mecânica é uma empresa, e como empresa, ela visa lucro. Mas em vez de aceitar esta realidade, o cliente já entra numa oficina de nariz torcido e um pensamento na cabeça: ”Se o mecânico quer lucrar, ele vai me explorar”. Esse é o primeiro passo para uma relação conturbada, difícil. O cliente enxerga no mecânico a imagem do Gérson, que “quer levar vantagem em tudo”, incluindo sobre o próprio cliente.

Porém, o lucro não é 100% daquilo que o cliente paga para o mecânico. Lucro é apenas uma pequena fatia sobre o total. Essa fatia é o que sobra depois que o mecânico descontar o custo total da oficina. Se o lucro do mecânico for elevado demais, seu preço não fica competitivo e ele perde clientes, mas se ele for baixo demais, a oficina sucumbe aos próprios custos e fecha.

Mas de quanto estamos falando em termos de custo de uma oficina? Cada caso é um caso, mas com alguns valores apenas para exemplificar já nos mostra muita coisa.

Vamos considerar uma oficina pequena, com um ajudante, e comecemos pelos custos fixos.

O galpão da oficina tem o custo do aluguel. Digamos algo como R$ 1.000,00 por mês. Salário do ajudante : R$ 1.000,00/mês. Internet e telefones fixo e móvel: R$ 300,00. Água: R$ 100,00. Luz: R$ 300,00. Só com poucos ítens, já somamos fácil um custo de R$ 2.500,00 /mês, mas existem dezenas de outros para serem somados nessa conta. Destaque especial sobre os benefícios e encargos sobre a mão de obra dentro da firma, que podem até superar os próprios salários dos funcionários. Essa conta sempre fecha bem salgada para o mecânico.

Essa oficina também tem de comprar ferramentas novas, e elas não são nada baratas. Só um elevador novo de carros custa na ordem de R$ 4.500,00, e ele é só uma ferramenta no meio de tantas outras, como chaves de todos os tipos, ferramentas eletrônicas de diagnóstico, bancadas etc.. E essas ferramentas não tem apenas o custo da aquisição inicial, mas também tem custo de manutenção e/ou reparação e de substituição ao final da vida útil.
Ferramental amplo e de qualidade garante bons serviços, mas  tem custo elevado

Toda oficina que se preza precisa de um carro de serviço. E assim, como o restante do ferramental, ele precisa ser comprado, operado, mantido, reparado e eventualmente substituído. E sabemos que um carro não se compra com dinheiro de pão.

Além das ferramentas, um bom mecânico hoje precisa estar se reciclando constantemente, fazendo cursos para entender as novas tecnologias e saber como reparar os novos modelos de carros. Enquanto treina, ele está afastado da oficina e não realiza qualquer trabalho útil, só recebendo se seu ajudante tiver alguma competência. E há o custo do próprio curso.

Cursos: custo duplo para a oficina

Todo esse ferramental e os cursos realizados representam um enorme capital que o mecânico imobilizou para poder prestar seus serviços. Todo retorno desse investimento tem que obrigatoriamente vir através dos serviços que ele presta mediante o uso dessas ferramentas.

Então há uma margem no preço de cada serviço da oficina para aquisição, manutenção e reposição de ferramental. E ela não é pequena.

Este valor deve ser adicionado ao custo das peças que cada carro sempre demanda.

E sobre todo esse valor líquido, o mecânico tem que calcular os impostos devidos. Em média, os impostos representam 42% do faturamento bruto das empresas. Então o preço bruto do serviço quase dobra sobre o líquido só para pagar os tributos diretos da empresa.

Porém, num mês médio de 30 dias, o mecânico só abre sua oficina de segunda a sexta-feira, o que lhe deixa  apenas 22 dias para trabalhar e faturar.

Não vou dar uma aula de como gerir custos ou de tributos neste artigo, mas quero mostrar algo muito importante com essa explanação.

Uma oficina minimamente bem mantida deve gerar um faturamento bruto entre R$ 700,00 e 1.200,00 por dia que ficar aberta e por carro realmente trabalhado nesse dia para obter um lucro mínimo.

Segundo matéria recente do jornal Folha de São Paulo, com dados do Sindicato das Empresas de Reparação (Sindirepa) e do DataFolha, enquanto a hora de um médico em seu consultório sai em media R$ 45,00, a hora média de mão-de-obra cobrada por uma oficina sai por volta de R$ 88,00, quase o dobro da do médico. O Sindirepa disponibiliza uma tabela referencial mais completa de hora de mão de obra de reparadores por área de serviço, o que mostra a coerência dos valores mostrados acima.

Se considerarmos um faturamento bruto médio de R$ 700,00 para uma pequena oficina que consegue atender apenas um carro que exige um dia inteiro de trabalho, então falamos num faturamento mensal de R$ 15.400,00 em 22 dias trabalhados.

E todo faturamento da oficina provém do serviço cobrado dos clientes, e é com ele que os custos da oficina são pagos. Portanto, um serviço prestado por uma oficina honesta, sem favores, sempre custará bastante para o cliente.

Um serviço que tome meio dia de serviço nesta oficina deve custar por volta de R$ 350,00 e um bem rápido, algo em torno de R$ 180,00, dependendo das peças necessárias.
Bons serviços em mecânica de automóveis nunca serão baratos

Estes são valores básicos bastante realistas que o mecânico tem na cabeça para fazer seus orçamentos. É um valor salgado para muitos, mas ele se apóia numa realidade que muitos dos seus clientes assalariados não conhecem na prática.

A empresa na qual o cliente do mecânico trabalha recebe um faturamento bruto, e esse total vai sendo “peneirado”, separando cada parte dos gastos. Ela separa os impostos, o pagamento dos fornecedores etc.. Uma dessas separações é o pagamento do seu funcionário. Para ser economicamente viável, cada funcionário precisa gerar um faturamento bruto várias vezes maior que o próprio salário por dia trabalhado para que seu emprego seja justificável para a empresa. Fazendo as contas, cada funcionário ganha uma migalha bem pequena sobre o faturamento bruto da sua empresa.

Quando este funcionário manda seu carro para a oficina, deve arcar com uma conta que é uma parcela do faturamento bruto da oficina. Isto cria uma desproporção enorme entre o que ele ganha e o valor da conta que ele recebe da oficina. Não raras vezes, o mecânico cobra por um serviço grande de um dia o que o cliente assalariado não ganha em uma semana.

O cliente normalmente já trabalha com um orçamento doméstico apertado, e se ele não separar as realidades entre valores líquidos e brutos dos dois lados, normalmente ele se sentirá explorado ao extremo.

Um funcionário assalariado só tem de se preocupar em fazer seu serviço e recebe tranquilamente seu salário no fim do mês. Já o mecânico não tem a menor garantia que todo dia haverá novos carros entrando pela porta, nem que haverá momentos em que aparecerão mais carros do que aqueles ele consiga atender e terá de recusar o serviço, o que também é ruim para o faturamento.

O mecânico tem de lidar todos os dias com uma margem de risco do negócio que o assalariado nem lembra ou sabe que existe.

Outra margem de risco é a garantia. Se o mecânico fez um serviço e forneceu as peças, a garantia é de sua total responsabilidade. Qualquer problema da peça ou do serviço, o mecânico terá todo trabalho de refazer e assumir o custo de reposição das peças.

Todos estes riscos vão parar na forma custo na fatura, gerando aqueles valores desconfortáveis para o cliente.

Se o fluxo de carros na oficina cresce, a estrutura da oficina cresce junto. Se o fluxo dobra, é preciso dobrar a equipe de mecânicos e ajudantes para entregar os carros dentro do prazo, e isso vai exigir um segundo jogo de ferramentas, um galpão maior com aluguel mais caro, os impostos crescem junto com o faturamento.

Mas não fica só nisso. A oficina passa a depender de outros recursos paralelos que também acrescentam custo ao preço final do serviço. Uma secretária, por exemplo, ajuda muito a manter o trabalho organizado e facilita contatos com fornecedores, além de manter o mecânico focado em seu trabalho. Porém, ela não arruma carros, e seu custo vai incidir sobre o custo-hora de reparo.

Ela é o que chamamos de custo fixo indireto, já que é um custo que não surge diretamente da atividade-fim da oficina, que é a de reparação de carros.

Conforme a oficina cresce e as atividades dentro dela aumentam em número e complexidade, os custos fixos indiretos sobem junto, absorvendo muito do ganho de eficiência que se conseguiria com o aumento da estrutura.

Então, uma oficina, ao contrário de uma fábrica, não se beneficia tanto do aumento de trabalho para baixar custos. Não há fatores de escala neste caso. Seu trabalho continua sendo quase artesanal, um a um, e não dá para baixar além de certo patamar.

Esta é a parte lógica, matemática da coisa, e sem a qual nada funciona, independente de qualquer outra análise. Por isso, agora é que realmente passaremos a entender quão complexa é a relação entre mecânico e cliente.

Se a relação entre mecânico e cliente é tensa pelos valores do serviço, muitos clientes acham que certos serviços são “muito fáceis” de serem feitos, mesmo que eles nem tenham ideia de como são realizados, e subvalorizam o que é feito. É mais um dos pontos que geram desgaste da relação.

Estas situações ocorrem rotineiramente em todas as oficinas, obrigando os mecânicos a tomarem certas táticas de negociação que justifiquem o preço cobrado.

Aí damos mais um passo da nossa análise, rumo ao problema da psicologia do processo de cobrança e honestidade do mecânico.

Primeiro, vamos pensar em mecânicos híper-honestos. Nosso amigos Juvenal Jorge nos contou uma história que nos serve como bom exemplo de análise.

O conhecido do Juvenal tinha um problema no sistema de injeção, todos queriam fazer o serviço ou fornecer uma outra peça a preço de ouro, mas o mecânico amigo se resignou a tirar a controladora e abri-la. Mesmo sem conhecimento de eletrônica, diagnosticou um capacitor queimado que custava R$ 0,70, trocado na loja de reparação de televisores ao lado da oficina, recuperando a ECU e o preço do serviço ficando por aí simplesmente.

Vamos dizer que o mecânico do JJ, não foi só um mecânico boa praça, mas aquele que todos nós gostaríamos de ter. Porém, se olharmos pelo lado dele, veremos que nem tudo é tão florido.

Sabemos que a oficina dele tem de gerar a cada dia um faturamento mínimo para conseguir fechar o mês com saldo positivo. Se esse mecânico passou o dia quebrando a cabeça para diagnosticar o problema e no final do dia encontrou o capacitor, levou para reparar a ECU, a trouxe de volta e a reinstalou no carro, mas cobrou apenas os R$ 0,70 do capacitor, aquele dia foi um dia perdido em termos de faturamento para ele.

Para apenas um evento destes no mês para um cliente especial, o mecânico pode até tolerar. Mas se for algo recorrente, para a oficina atingir o faturamento esperado no final do mês, ele terá de jogar o que não faturou neste serviço de cortesia nas costas dos demais clientes que nada têm a ver com o caso. É injusto com os demais clientes, além de tornar o preço da oficina menos competitivo.

Pequenas cortesias, que não custam muito tempo ou material do mecânico até podem ser praticadas com certa regularidade. É até bom para os negócios. Porém, cortesias grandes, como esta do exemplo, devem ser evitadas ao máximo, e reservadas apenas para os clientes muito especiais em situações especiais.

O mecânico que abusa das cortesias é o mecânico que vai fechar suas portas em muito pouco tempo.

Daqui tiramos a primeira lição: o mecânico realmente bom, profissional, não é o mecânico bonzinho. Existe um limite rígido de atuação para um profissional do mais alto gabarito, e esse limite diz que ele não pode ser lesivo, mas também não é o mais benévolo aos olhos do cliente.

O mecânico realmente profissional atende seu cliente estritamente dentro da proporcionalidade da relação que ele mantém com o seu cliente. Nem mais e nem menos que isso.

O mecânico que adoríamos ter, que quebra todos os nossos galhos sem cobrar nada, e ainda nos atende com um sorriso no rosto é, antes de mais nada, um mau profissional. Ao deixar de cobrar o preço justo pelo serviço, ele vai fechar a oficina em pouco tempo, e vai nos deixar à mercê dos maus mecânicos.

Isso nos leva ao segundo tipo de mecânico, o chamado “consciente”. Esse mecânico é consciente da realidade que o cerca e age de acordo com os limites que as situações são impostas. Há uma correlação direta entre o termo "consciente" e "profissional".

Vamos voltar ao caso contado pelo Juvenal. Imaginemos que o cliente do caso não seja especial, e, portanto, não receberá tratamento diferenciado. O mecânico cobrará o que deve ser cobrado.

Se nos imaginarmos no lugar do cliente, como nos sentiríamos se o mecânico nos mostrasse que todo problema do carro era uma pecinha miserável, que custa R$ 0,70, mas no orçamento consta “peças – R$ 0,70; mão de obra – R$ 700,00”?

É algo fácil de engolir? Sejamos honestos: não é.

Se o cliente ganha R$ 2.800,00 por mês, uma conta de R$ 700,00 equivale ao que ele ganha em uma semana, e esta conta é sobre um serviço de apenas um dia. Essa desproporcionalidade é difícil de compreender se não estivermos preparados para ela. Aceitá-la vai contra os nossos instintos.

Os orçamentos dos mecânicos recorrentemente escondem uma distorção para evitar essa situação desfavorável. Normalmente os orçamentos apontam um custo maior de peças do que de mão de obra. Porém, se o cliente pesquisar, vai descobrir que as peças são muito mais baratas nas lojas de autopeças do que as descritas no orçamento. E se o cliente se oferecer a comprar essas peças por fora verá que o mecânico não vai gostar da situação.

Alguns acreditam que essa margem adicional no preço das peças é uma margem de lucro que o mecânico põe sobre a peça, mas a razão real desse ajuste de preços é outra.

Quando o mecânico faz seu serviço, existe um valor mínimo que o justifique, como nós já vimos. Para tornar o valor do serviço mais “palatável” pelo cliente, parte deste valor é cobrado sobre peças e descontado da parte em serviços. O que importa no final é que a soma dos dois seja a mesma.

Há uma sutil diferença entre serviço e peças que justifica essa estratégia. Uma peça é um ente material, palpável, e além disso exigiu muitas transformações desde o minério bruto até a peça acabada. Ela tem um certo valor e é logicamente compreensível pelo cliente.

Já serviço é algo imaterial, não palpável, pois resume-se a tempo de trabalho. Na mente do cliente é muito mais consistente uma peça cara que ele pode ver e tocar, do que um serviço que o mecânico disse que fez, mas que o cliente não vê e nem faz volume na mão.

- Por que o custo da mão de obra seria R$ 700,00? Por que não R$ 100,00? Afinal gastou-se apenas tempo.

Esse é o pensamento do cliente, que dificilmente compreende que tempo é a matéria-prima básica do mecânico, assim como qualquer prestador de serviços, e que com ele, o mecânico tem de pagar seus custos.

É por isso que no exemplo do Juvenal ficaria difícil admitir um orçamento contendo “peças – R$ 0,70; Mão de obra – R$ 700,00”. Se no orçamento constar “peças – R$ 400,70; mão de obra – R$ 300,00”, a conta final é a mesma, mas é muito mais aceitável pelo cliente.

Mas que peças seriam essas que custam R$ 400,70? Seria o capacitor de R$ 0,70? Não! São as famosas peças "rebimboca da parafuseta" e a "princeleta da grampola". Uma mentira puxa outra.

Orçamento: muitas vezes, mera peça ficcional para justificar um valor real

O mecânico sabe que a honestidade total não seria aceita pelo cliente, e mesmo sendo ele honesto, ele tem que contar uma pequena mentira para receber um pagamento justo pelo seu trabalho.Daí chamá-lo de “consciente”, e não de “honesto”, porque honesto não mente. O mecânico completamente honesto e sincero é aquele que não sobrevive.

As pequenas mentiras são uma técnica usada pelos mecânicos conscientes apenas em casos extremos. Na maior parte das vezes eles apenas dizem meias verdades. Parte dessas meias verdades são ditas quando o mecânico percebe uma situação mais ampla e complexa, que ele sabe que será cara para ser completamente reparada.

Se ele for completamente honesto e mostrar tudo o que precisa ser feito de uma vez, ele sabe que o cliente não vai gostar do orçamento. Fazer todo esse serviço também vai contra os interesses do mecânico, pois se for totalmente reparado e ajustado, o carro não retornará à oficina tão cedo, e já sabemos que a oficina tem que faturar um mínimo todos os dias.

Ao deixar coisas a serem reparadas, ele minimiza o problema naquele instante para o cliente, garante o retorno próximo do carro para a oficina e vai reparando as partes em doses homeopáticas, cobrando mão de obra sobreposta no mesmo sistema. Ele fatura mais, tem serviço garantido para o futuro, e o cliente aceita melhor a situação.

E ele não necessariamente mentiu sobre a situação. Apenas não contou toda a verdade.

Reparem que até aqui todos os serviços realizados são de qualidade, e cobrados por um valor justo. As atitudes ética e moralmente condenáveis e até ilegais ocorrem quando esta fronteira é ultrapassada.

A seguir, temos uma mentirinha um pouco maior. As fotos tiradas em seqüência mostram a instalação de uma arruela no apoio de um dos parafusos de fixação da dobradiça para eliminar uma folga na porta do motorista. Apesar do "jeitinho", esse truque não representa um reparo mal feito ou perigoso.
Reparo de folga de porta com arruela de calço: serviço rápido, fácil e eficiente

Será que o cliente aceitaria um reparo assim? Que imagem o cliente faria do mecânico se visse um reparo destes? Quanto ele estaria disposto a pagar pelo serviço se o mecânico fosse honesto e mostrasse como foi feito?

Mas, e se o mecânico cobrasse do cliente a troca das duas dobradiças da porta? Seria uma versão mais aceitável pelo cliente? Sim, seria. O cliente testa, comprova que o defeito foi eliminado e no fim aceita a versão do mecânico.

Situações como estas existem aos montes em oficinas todos os dias, e existem muitos truques como estes para deixar o carro com perfeito funcionamento sem gastar peças caras e o precioso tempo do mecânico.

Mas aí, como se diz popularmente, é o uso do cachimbo que deixa a boca torta. Uma mentirinha uma vez ou outra para salvar uma situação sem gerar consequências é até justificável. Porém, é uma possibilidade tentadora de lucro que leva o mecânico a se tornar um mau mecânico e que está ao alcance dele a todo instante.

Há dois tipos de maus mecânicos, que se diferenciam pelo preço do serviço que cobram.

Para o público onde preço baixo de serviço é uma exigência, existem os mecânicos que cobram muito pouco. São geralmente as oficinas “focinho de porco” que tem nos bairros. Sujas, mal organizadas, mal instaladas, mal iluminadas, com ferramental de baixa qualidade e mão de obra com pouquíssima qualificação.
Típica placa de oficina de fundo de quintal
Eles cobram bem abaixo dos patamares dos mecânicos conscientes porque eles tem um custo operacional muito baixo, mas esse baixo preço reflete direto na qualidade do serviço, muitas vezes improvisado e cheio de gambiarras.

Os "trocadores de peças", por ignorarem a tecnologia por trás dos carros modernos e sem equipamentos de testes, vivem da exaustivos testes de troca de peças, em busca daquela danificada. São incapazes de gerar um diagnóstico e ir diretamente ao defeito. Não raras vezes consomem muitas horas de mão de obra, empurram seguidamente peças desnecessárias e o defeito persiste.

Esses mecânicos baratos trabalham com preços no limite da mera subsistência, e são altamente danosos ao mercado de reparação, pois ao oferecerem serviços por um valor abaixo do mínimo para algo de qualidade, mas também geram uma base de preço comparativamente injusta com os bons profissionais. São mecânicos que podem manter sua oficina aberta por muitos anos, mas nunca crescem além de um certo tamanho, bastante reduzido. Esse processo é chamado de “prostituição” do profissional.

Uma atitude lesiva muito comum desses mecânicos é se aproveitar da ausência do cliente enquanto ele faz o serviço, e troca peças originais do carro por peças já usadas, recuperadas ou de terceira linha. Quando essas peças apresentarem defeito, ele vende para o cliente a peça original do próprio carro.

Ele também pode aproveitar as peças originais do carro do cliente em seu carro particular ou em outro carro idêntico de outro cliente na oficina que tenha aquela peça defeituosa.

Na outro extremo da escala do mau mecânico temos o mecânico explorador, que não tem medo de colocar uma conta salgada na mão do cliente. Ele usa e abusa de má fé da credulidade e da ignorância técnica do cliente.

Exemplo típico são as grandes redes de oficinas de pneus que praticam a chamada “empurroterapia” (reparos que na verdade não são necessários), o que é altamente lesivo ao consumidor.
O mecânico explorador e grandes orçamentos: par inseparável

São sempre oficinas bem organizadas, limpas na medida do possível, com vários postos de trabalho lado a lado, cada qual com seu mecânico e seu ajudante, com um escritório onde o cliente pode esperar pelo serviço confortavelmente, sem incomodar os mecânicos. O visual é fator importante para impressionar o cliente, agindo como fator psicológico facilitador para a conta que virá.

Vejam como estes fatores atuam na psicologia do cliente.



Oficina limpa e organizada e bom tratamento não são sinônimos de oficina honesta, mas passa essa impressão. Maus mecânicos podem se aproveitar deste fator psicológico para tirar vantagem do cliente desavisado.

Existe todo tipo de técnica para garantir o serviço, desde o terrorismo sobre a segurança do veículo a até fazer toda desmontagem da suspensão do carro sem permissão prévia e constranger o cliente, obrigando-o a aceitar o serviço pago não solicitado ao invés de ele exigir a remontagem gratuita. O constrangimento envolve até o receio do cliente de que se ele exigir a remontagem, não seja deixado nada fora do lugar que prejudique o veículo.

Para quem estiver interessado, procure conhecer um pouco sobre engenharia social. É impressionante a quantidade de técnicas que podem ser usadas para que as pessoas ajam contra si mesmas sem que percebam.

 Os dois tipos de maus mecânicos costumam também instalar peças de terceira linha, mas cobradas como de primeira. Muitos até mostram embalagens vazias de peças originais como prova que a peça instalada é de procedência.

Se essas peças resistirem pelo menos até o prazo de garantia, o lucro é todo da oficina.

Outro truque muito usado em grandes orçamentos é cobrar pelo que não foi feito e é difícil de verificar. Se o cliente teve um problema no motor que exigiu sua desmontagem, como ele vai verificar que o aplainamento de cabeçote e reassentamento de válvulas que foi cobrado realmente foi feito depois do motor estar montado e funcionando?

Maus mecânicos também cobram o serviço pelo carro e pela aparência do cliente. Para um mesmo serviço, quanto mais caro e luxuoso o carro e quanto melhor trajado estiver o cliente, mais cara a conta.

Ambos os tipos de maus mecânicos são lesivos ao mercado de reparação, pois trazem má fama a todo o setor, e deixa o cliente ainda mais inseguro quando necessita de um serviço.

Mas se eles são tão ruins para o ecossistema de reparação, por que eles proliferam enquanto profissionais de referência, que cobram preços justos praticamente são tão raros? Não deveria ser exatamente o contrário, com o mercado filtrando e expurgando os maus profissionais?

Pois a palavra-chave que explica tudo é exatamente “ecossistema”.

Se o perfil do profissional que sobrevive nesse mercado é ruim, é porque o perfil do cliente também não é nada bom.
Maus mecânicos são resultado de maus clientes

Não é possível que um negócio prospere com valores excessivamente baixos ou excessivamente altos sem a colaboração, mesmo que inconsciente, dos clientes.

O profissional consciente trabalha dentro de uma margem de lucro limitada sobre uma base de custo controlada, nem muito abaixo nem muito acima disso.

Se ha oficinas que cobram baixo bem pouco, não existe milagre. A qualidade é proporcional ao preço. Preço inferior leva a serviço de qualidade inferior, e quem tem um pingo de consciência que esse serviço inferior é prestado em um veículo que transporta vidas, sabe que esse é um barato que pode sair muito caro.
Apesar da baixíssima qualidade, o baixo preço dos serviços consegue atrair um público muito fiel e defensor desses mecânicos.

Ao escolher uma oficina apenas pelo preço e não pela relação custo-benefício, o cliente beneficia o mau e não o bom mecânco. Mas ele age pensando que leva vantagem nessa escolha.

Baixo custo, baixa qualidade do serviço

 Pelo lado dos mecânicos exploradores, reparem em um detalhe curioso: pergunte a quem já levou seu carro em qualquer uma das grandes redes de oficina, e quase certamente as mesmas técnicas de exploração predatória do cliente se revelarão.

Grandes redes só se estabelecem se a margem de lucro for significativa, e já vimos que não existe espaço para um lucro muito grande num serviço honesto.

As pessoas instintivamente seguem líderes. Uma grande marca não se fez da noite para o dia, e as pessoas acreditam que essas redes se fizeram em cima de seu conhecimento e profissionalismo e acreditam piamente na honestidade do lojista. Como elas entendem muito pouco do carro (e cada vez se entende menos com a morte do entusiasmo pelo automóvel), o que o autodenominado “especialista” da loja indicar elas acatam sem discutir.

Bons profissionais não tiram proveito dessa fraqueza dos clientes por questões éticas, mas quando o lucro envolvido pesa mais que a ética para maus profissionais, o que vemos é uma exploração predatória dos clientes.

Como a margem de lucro por serviço é baixa, então eles vendem muito serviço desnecessário para garantir um significativo lucro por carro reparado. É a “empurroterapia”.

Quanto maior o lucro, maior o investimento em imagem e marketing, que traz mais clientes, que traz mais lucros, que potencializa abrir mais lojas, que traz mais lucros... É assim que a maioria das grandes redes se forma.

Mas nada disso daria certo se o cliente não fosse tão inocente e passivo, colaborando com a própria exploração. Ao escolherem uma oficina apenas pelo renome e pela intensa presença de marketing, o cliente novamente pode estar beneficiando maus mecânicos em detrimento dos bons.

Não dá para dizer que todas as grandes redes praticam essas técnicas nefastas, mas quando entrar numa delas, é bom ficar atento.

Há outras atitudes negativas, vícios, que tornam maus os clientes.

Mecânicos odeiam clientes "sabidos", que vão lá para puxar conversa, fuçarem tudo, bagunçarem as peças de carros que nem são deles, darem palpites sem conhecer mecânica, atrapalhando o mecânico que ali está para trabalhar e garantir o faturamento do dia.

Maus clientes infernizam o trabalho do mecânico

Esses clientes são mais comuns aos sábados, dia que em tese seria ótimo para o mecânico receber novos carros para reparar ao longo da semana.

Muitos mecânicos preferem perder o melhor dia da semana e descansar a ter de tolerar esses clientes chatos e inconvenientes.

Há três vícios em especial que são devastadores para bons mecânicos.

O primeiro vício ocorre com clientes que odeiam gastar com necessidade. Todo gasto em necessidade é chorado, brigado, e se possível postergado, jogado pra segundo plano até pelo menos ele se mostrar inevitável.

Porém, ofereça a esses clientes um luxo do agrado deles. Eles abrem a carteira sem nem perguntar quanto custa.

Um exemplo clássico é o proprietário que coloca no lugar das rodas originais um jogo de rodas de 20 polegadas, cromadas, cheio de estilo, mas coloca pneus remold pro serviço final ficar mais barato.

Há uma razão para isso. Luxo lida com o prazer, com a imagem social e a sensação de recompensa das pessoas. Necessidade é um gasto que não aparece e ainda toma recursos importantes pra consumir mais luxo.

Há quem até deixe a necessidade de lado só para sustentar seus luxos, pelo menos até o ponto em que isso se torna intolerável.

O profissional de reparação oferece um serviço necessário, não de luxo, e se ressente dessa diferença. É comum o mecânico pegar um carro equipado com o que há de mais moderno e potente em termos de som e imagem, tuning, turbo (que é luxo e não necessidade), mas cheio de problemas porque a manutenção foi completamente esquecida (é necessidade e não luxo). O cliente forçará de todas as formas o menor preço que conseguir, apesar de fazer questão do carro ser perfeitamente reparado.

Este primeiro vício comumente se liga ao segundo, o do “leilão” do serviço. O cliente quer um serviço de qualidade, mas quer ele bem baratinho. Ele sabe que o mecânico barato não tem capacidade técnica para realizar um bom serviço, então ele vai até um bom mecânico, oferece o serviço, mas diz que tem um outro mecânico com um preço bem mais em conta. E aí fica forçando a situação, querendo que o mecânico faça um serviço no seu alto padrão, mas cobrando o preço do mecânico barato. Não é uma situação fácil para um mecânico, porque ele pode perder um serviço que pode preencher a cota diária de serviços, mas é um serviço prestado com prejuízo.

Ceder ao cliente inconveniente é ruim, mas fica ainda pior quando ele configura o próximo vício. Este refere-se a um ciclo que é perigoso em qualquer esfera do relacionamento humano, conhecido como ciclo de precedente-distorção.

O ciclo de precedente-distorção ocorre quando existe uma regra rígida que estabelece o relacionamento entre duas pessoas que é quebrada uma vez por uma concessão de uma das partes. Essa concessão é o precedente que enfraquece a regra, permitindo que ela seja contrariada novamente.  Se a regra for quebrada seguidas vezes, se estabelece uma relação onde a regra original deixa de ser válida e sua desobediência passa a ser rotineira, em benefício de quem se aproveita e em prejuízo de quem concedeu. Essa quebra rotineira da regra que já não vale é a distorção da relação.

O problema é que esse processo não recebe o nome de ciclo por acaso. Depois de estabelecida uma distorção é questão de tempo até uma nova concessão a uma outra regra ser forçada e abrir outra brecha para uma nova distorção, ou a distorção já estabelecida para uma pessoa ser usada como precedente para que outras pessoas usufruam dela também.

Se quem fez a concessão agora quiser parar a distorção depois de estabelecida e recompor a antiga regra vai encontrar forte oposição do beneficiado, que acha que um direito adquirido seu foi violado. Mas manter a relação distorcida também é intolerável para a parte que cedeu.Isso normalmente leva a uma degradação da relação na qual ambas as partes perdem.

Este ciclo de precedente-distorção é capaz de minar qualquer cadeia de autoridade e respeito, quer seja entre pai e filho, chefe e subordinado etc..

É um ciclo sutil, mas extremamente perigoso e perverso e deve ser combatido em qualquer esfera do relacionamento humano antes que ele se estabeleça.

O mesmo ocorre entre o mecânico e seu cliente. A regra que regula a relação entre mecânico e cliente é bem clara: o mecânico faz o serviço que o cliente quer e em contrapartida o cliente paga o valor devido pelo serviço ao mecânico.

Se o cliente faz um leilão de serviço uma vez e o mecânico aceita, o cliente irá leiloar o serviço seguinte com um preço ainda mais baixo, até chegar em um ponto em que esse cliente usufruirá automaticamente de um grande desconto sem precisar sequer fazer o leilão.

Se esse cliente contar esse detalhe a um amigo, esse amigo pode desejar “pegar uma carona” no desconto que o cliente já possui, e agora, além do mecânico ter um novo cliente inconveniente, ele ainda se incomoda por não poder contrariar seu primeiro cliente.

Todas essas atitudes atingem em cheio o bom mecânico, o honesto ou o consciente, que se baseia em ética e moral profissionais, além de valorização da relação sadia com seus clientes. Já os maus mecânicos são imunes a esses maus hábitos dos clientes e proliferam.

Não é agradável dizer, mas a verdade é que o mercado possui os mecânicos que merece. Bons mecânicos proliferam em ambientes de cooperação e simbiose com seus clientes.

Maus mecânicos proliferam em ambientes competitivos e predatórios entre eles e seus clientes.

Em países desenvolvidos, os prestadores de serviços, e entre eles os mecânicos, comumente são bons profissionais. Fazem serviços de qualidade e sabem que enganar o cliente é um passo para ter sua imagem arranhada, o que é ruim para os negócios.

Esses profissionais contam com uma boa casa, carro novo na garagem, e oferecem uma vida segura e confortável para sua família. Eles não precisam mentir para ter uma vida compensadora. Entretanto, o preço dos seus serviços é assustador para os nossos padrões, mas seus clientes entendem tudo isso que discutimos aqui e contratam seus serviços sem discutir.

Não somos nós, do Terceiro Mundo, que tanto invejamos os países  do Primeiro Mundo, e queremos tanto chegar lá?
Pois chegar lá também significa admitir serviços caros, porém honestos.

Se hoje reclamamos demais da falta de bons profissionais e da abundância dos maus, coisa de país atrasado e sem cultura, é porque metade da culpa é nossa enquanto maus clientes.

Se quisermos que esta situação mude para entrarmos no Primeiro Mundo, então precisamos começar mudando nossas atitudes perante eles, os prestadores de serviço, evitando os maus e premiando os realmente bons, e aprendendo a pagar o preço justo por serviços.

Sem isso, só podemos lamentar o  triste destino da maioria dos bons mecânicos.

Mecânico honesto, RIP.
AAD

Obs: Agradecimento especial ao amigo Fernando Furini  pelas fotos do reparo da dobradiça.

2 comentários:

  1. eita meu Uno famoso! hahaha
    só pra constar, o cara que me deu a dica de colocar a arruela na dobradiça é ex-funcionário da Fiat e disse que é assim que se faz lá. ou seja, com duas arruelas de R$ 0,05, cobram o par de dobradiças que acho que saem por volta de R$ 300,00.

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